Oi pessoal! Um post gigante hoje – depois de tanto tempo esperando um desses. Alguém? :-P
Hoje entrevistei Gleydson Macedo, um desses caras que tinham “tudo na vida” e “de repente” largaram todo aquele conforto pra vir pro Canadá. Em virtude dos 2 anos (e qualquer coisa) que ele e sua adorada esposa já desfrutam de residência no Gigante do Norte, resolvi dar uma de entrevistador.
Ele recebeu nossa equipe em uma dessas tardes mais que ensolaradas em seu apartamento que fica muito bem localizado na cidade de Vancouver. “Aqui a gente não tem que se preocupar; conveniência é o nome do jogo.”, diz. E é bem verdade que em 15-20 minutos de caminhada pode-se encontrar restaurantes diversos (com preços igualmente diversos), farmácias, mercadinhos bem parecidos com aquelas vendas de posto de gasolina brasileiras, padaria, hospital, praia, etc. “Cara, o que mais eu posso querer em termos de localização?”, mais uma vez ele complementa quando dou uma espiada na sacada pra ver o sol estatelando na lateral do prédio.
Falamos dos mais diversos assuntos, mas é claro que procurei focar a atenção na (nem tão nova) vida canadense e todas as suas cores como segue.
Operação Canadá – Pois é Gleydson... Já vou começar com uma expressão bem mineira pra gente se ambientar... [Risos.]
Gleydson Macedo – Pois é... [Risos.] Esse nosso “pois é” é tão intraduzível (sic) quanto o “uai”. Como é que você explica um começo de frase com uma dessas.
Operação Canadá – [Risos.] É verdade. Mas vamos começar então com uma bem fácil. Quem é o Gleydson. Dá um resuminho aí pra nós...
Gleydson Macedo – Fácil?!? Zuô! [Risos.] Falar da gente mesmo é sempre complicado... Hmmm... Bom, como costumo resumir pros amigos: sou brasiliense, filho de cearense e mineira, criado no interior das Minas Gerais [Patos de Minas], torcedor do Flamengo, casado com uma gaúcha e que já teve residência no Rio, São Paulo e Porto Alegre.
OC – Bota resumido nisso! Mas dá uma linha temporal só pra ter uma noção...
GM – Meus pais se mudaram pra Capital da Esperança no começo da década de 70...
OC – (interrompendo) Peraí... Não precisa voltar tanto assim também...
GM – Sem problemas... A menos que você não queira MES-MO! [Risos.]
OC – Não, não... Manda bala.
GM – ‘Tá... Então voltando... Os “véio” se toparam lá pelo Plano Piloto da vida e dei um jeito de nascer em 75; meu irmão veio em 80 e em 84 eles decidiram ir de mala e cuia pra cidade da minha mãe, Patos de Minas. Eles compraram um boteco lá no centro da cidade – o Bar do Macedo – e por lá eu fiquei até meus 19 anos, quando passei no vestibular pra Ciência da Computação em Uberlândia [UFU]. Isso era 1995. Lá convivi com os que são hoje alguns dos meus melhores amigos. República, tal. Sabe como é, né?
OC – Acho que sei sim. Eu mesmo morei em uma no mesmo período.
GM – Finalzinho de 1998 comecei a namorar com a Sílvia e logo após me formei; em 2000 comecei umas andanças pelo Brasil por causa do trabalho, morando pouco mais de 1 ano no Rio. Nesse meio tempo também meus pais se divorciaram e ganhei outros dois irmãos do segundo casamento do meu pai. Casamos em 2002, nos mudando logo em seguida pra São Paulo (onde já estava instalado), lugar que moramos 2 anos e pouco. O último posto foi em Porto Alegre, 2004, pra então em 2007 virmos – acho – pra nossa morada mais duradoura. [Risos.]
OC – É... Sei não... Uma vez nômade...
GM – Isso é uma coisa que nós aqui em casa sempre trazemos à tona de tempos em tempos; nada mais prende a gente a lugar algum, sabe... Não vejo razão nenhuma pra simplesmente deixar esse espírito de lado...
OC – Olhando ali pela sua janela eu vejo algumas delas (aponto uns pedacinhos de montanha que despontam no meio dos prédios)
GM – Esse lugar é especial demais, putz... Por isso é que digo que essa deve ser a nossa estadia por muito mais tempo que as outras. Espero! Ou não! [Risos.]
OC – Eu concordo contigo nesse ponto, de manter o sangue correndo na veia nômade. Mas chega uma hora que acho que faz mais sentido fincar raízes, sei lá, pertencer a um lugar.
GM – Sim, sim. Faz todo o sentido. Entendo e respeito que existem pessoas que se sentem mais apegadas em maior ou menor grau a uma cidade, comunidade, etc.
OC – Aí veio então 2007, né? Como é que surgiu essa de vir pro Canadá? Sei que já devem ter te perguntado isso umas 2.000 vezes, mas quero um registro aqui. [Risos.]
GM – Outro? [Risos.] Só espero que seus leitores não morram de tédio. [Risos.] A idéia... Cara... Isso vem de longe, muito tempo mesmo; eu sempre fui um cara muito curioso com o mundo, sempre tive essa comichão de um dia morar fora, sabe, aquelas de intercambista...
OC – Sim, a maioria adolescente, estudante de inglês...
GM – É... Eu não tive essa oportunidade. Viajar pra longe assim no Brasil ainda é uma atividade pra lá de cara... Vixe... Nem imagino uma coisa dessas com meus 14-15 anos de idade. Praticamente impossível.
OC – Mas e a comichão...
GM – Ahhh... Juntou dois desses que não puderam ter a tal da experiência no exterior e deu no que deu. Oficialmente falando, começamos a botar a coisa pra andar já pouco antes da mudança pra Porto Alegre [2004].
OC – Vocês então já estavam com a cabeça feita que iriam pro Canadá desde então?
GM – Exato. A mudança pra Porto Alegre veio a calhar em vários sentidos, mas funcionou principalmente no econômico. O trabalho já ‘tava começando a faltar na minha consultoria e acabamos por guardar uma soma interessante pra reiniciar nossa vida fora do país. Você bem deve se lembrar das privações...
OC – [Risos.] Ô se lembro!
GM – Nada de renovar mobília, aluguéis caros e etc. Não era uma PRIVAÇÃÃÃÃÃO, se você me entende, mas deixamos de fazer bastante coisa mirando o grande passo. Levamos uma vida bem regrada para os padrões. Foi muito bom mesmo pra chegar aqui em uma situação confortável.
OC – Papelada, preparação, espera...
GM – Sim cara. Tudo isso foi deveras iniciado em 2005, mais ou menos pro fim do ano. Ficou tudo pronto no fim de 2006.
OC – Que conselho você dá pros que estão entrando nessa agora?
GM – Paciência. Muita!!! [Risos.] Muito óbvio o que vou falar, mas cada processo é diferente um do outro. Uns demoram mais, outros menos...
OC – Vocês deram sorte, né? 13-14 meses pra sair o visto?
GM – Por aí. Não digo “sorte”, porque só acho que era uma outra situação, outro ano, outras condições...
OC – Fiquei sabendo mesmo que eles deram uma apertada no processo, confere?
GM – Não sei te dizer dos detalhes. O que me contaram é que removeram algumas profissões daquela lista [NOC], acrescentaram outras. ‘Tamo aí no meio dessa revirada econômica e o nome do processo já diz tudo, né? “Skilled Worker”. Só estão adaptando pra falta atual de profissionais. Acho que é normal isso.
OC – Eu também. Não faz muito sentido favorecer profissões que realmente não precisam de gente no momento; só vai acabar deixando mais gente fora do mercado.
GM – Daqui a pouco melhora, pode esperar. Do mesmo jeito que desce, sobe. Vai é faltar gente pra tanta demanda em algum tempo.
OC – Já que a tocamos nessa de economia, como é que ‘tá a tua empresa [Creation Technologies]?
GM – Não vou te dizer que ‘tá invulnerável, muito pelo contrário. Os que sofreram a primeira porrada foram os temporários e aqueles que trabalham com contrato por hora. Claro que não foi todo mundo pra rua, mas cortaram umas cabeças.
OC – Infelizmente é isso que traz o benefício mais imediato...
GM – Sim, sim... Você pode ver que é a primeira coisa que acontece. Mas, enfim... No fim das contas estão dando alguns dias pra nós não-remunerados pra salvar uma grana. No meu ponto de vista é melhor que cortar salário, porque você nunca sabe se vão voltar com o teu valor depois que passar o furacão. E você acaba aproveitando esse dia pra fazer as suas coisas.
OC – ÔÔÔ!!! Não tenho dúvida nenhuma que é uma solução interessante...
GM – E o pessoal das plantas ‘tá fazendo isso já desde janeiro. Em algumas é uma vez por semana, outras uma a cada quinze dias.
OC – Esse seu atual emprego você teve que passar um bocado pra arrumar, não foi?
GM – É... Já vai pra quase 2 anos [outubro 2007].
OC – E a que você deve esse perrengue todo na época?
GM – Bom, uma série de fatores. Primeiro eu já havia sido entrevistado para uma mesma vaga por 4 pessoas; pensei que essa estaria no papo. Detalhe é que 2 destas entrevistas foram feitas ainda no Brasil. Nem precisa completar que não deu certo, né? [Risos.] Por causa dessa vaga, fiquei em “modo de espera” por uns 2-3 meses; isso já era começo de junho ou coisa parecida. Só aí fui participar daqueles cursos pra se arrumar emprego e ajustar então o meu currículo para as diversas facetas do mercado canadense. Segundo fator foi que comecei a busca no verão. [Risos.] Quem é que trabalha no verão por essas bandas? A maioria do pessoal deixa pra tirar férias nesse período – inclua na “maioria” os tomadores de decisões das empresas. O terceiro – e último, acho – é que a minha área na costa oeste é microscópica se compararmos com a costa leste. Seria como São Paulo e o resto do Brasil pra TI e correlatos.
OC – Mas você já estava ciente disso?
GM – Mais ou menos. Tinha certeza absoluta que a coisa se concentra em Toronto, mas não tinha idéia que do lado de Vancouver eram tão restritas minhas possibilidades.
OC – Mas porque então vocês não se pirulitaram pra Toronto? Digo, antes de virem pra cá e sabendo que é lá a mina...
GM – Olha, depois desse tempo todo sem emprego na área chegamos a cogitar várias mudanças, inclusive pra lá. Mas como já tínhamos uma experiência paulistana, digo, com relação à cidades enormes, resolvemos apostar nossas fichas em uma cidade menor, mas sossegada. Sei que Vancouver não é tão miudinha assim, mas é praticamente 3 vezes menor que Toronto. Apareceram na época também algumas coisas pra Calgary. Sim, sim, continuamos firmes na aposta.
OC – É um sinal que vocês se prepararam bem financeiramente pra suportar essa eventualidade...
GM – É. Como já mencionei antes, fizemos por onde e viemos preparados pra bastante tempo. Ahhh... Outra coisa que foi decisiva é que a Sílvia acabou arrumando um emprego legalzão logo com 3 meses de Canadá. Contra todas as estatísticas, eu que teoricamente teria uma certa facilidade por ser da área de informática, a patroa foi lá e abocanhou uma vaga até bem relacionada com a profissão dela [advogada] no Brasil.
OC – Muito bom, né? Deve ter sido um alívio absurdo pra vocês.
GM – Bota alívio nisso! Ela já havia garantido a nossa permanência. Foi bom demais pra ser verdade. Ela trabalhou como assistente jurídica em um escritório de imigração.
OC – E a Sílvia pensa em de repente voltar a assumir uma posição na área?
GM – Pensar ela pensa sim. Isso é assunto pra vários debates em casa. Antes de tudo é um desafio; o curso de Direito que ela tem só é reconhecido como um bacharelado “simples” no Canadá; o sistema deles é diferente. Você primeiro faz um curso comum a várias áreas que dura 4 anos pra aí então ingressar na faculdade de Direito, que são mais 3 anos.
OC – Então ela faria toda essa segunda parte do curso?
GM – Isso mesmo. 3 anos mais de banco de escola, mais 1 ano e pouco de estágios e coisas do gênero. Não é mole não, viu cara! Seria mais ou menos como um “Mestrado” mesmo. Por isso ela está ponderando bastante antes de encarar mais uma maratona desse naipe.
OC – Saindo um pouco desse papo de emprego, vamos a umas questões mais básicas. Qual seria o principal motivo que trouxe vocês pra fora do Brasil?
GM – [Risos.] Lá vem de novo... Espero que quem leia isso não morra de tédio. O principal motivo? Segurança cara. O que costumo dizer pra todo mundo é isso: segurança. Mas não somente aquela segurança relacionada ao dia-a-dia, da violência, mas como um conceito mesmo; segurança social no sentido mais amplo da coisa.
OC – Muitas das pessoas que fazem essa mudança tem como principal motivo é essa mesmo relacionada à violência... Vocês têm alguma má experiência nesse sentido e que poderia ter catalisado o processo?
GM – Te digo que graças a Deus nunca me aconteceu nada. Passei um ano no Rio de Janeiro, três em São Paulo, mas dois e pouco em Porto Alegre, pra citar cidades grandes e com altos índices de violência. A Sílvia foi assaltada em São Paulo uma vez sim, mas não foi dos mais traumatizantes comparando-se a outras coisas escabrosas que a gente escuta. Eu diria que não teríamos algo nesse sentido pra apontar. Só aquela tensão diária mesmo que leva a gente a viver em redomas no Brasil.
OC – O que você apontaria como principal diferença entre Canadá e Brasil nesse sentido?
GM – Fica muito difícil apontar uma só... Como principal... Hmmm... Relacionando à questão anterior, no Canadá não acontecem muitos crimes contra as pessoas, sabe, estilo assalto à mão armada, ou o sujeito te abordando no sinal de trânsito... É claro que tem um ou outro caso, mas quando se fala de crime aqui, pense em gente dando cano em banco ou o viciado em drogas entrando em uma casa quando não tem gente dentro pra roubar um aparelho de DVD pra matar uma pedrinha de crack mais tarde. Ahhh! E tem também roubo de carro praticamente pelos mesmos motivos.
OC – Simplesmente não dá pra comparar...
GM – É até covardia! E o detalhe é que Vancouver é a cidade mais violenta do país!!! [Risos.] No começo desse ano [2009] ‘tava rolando uma guerrinha de gangues, então rolaram algumas execuções, coisa encomendada mesmo. Droga cara! Esse eu acho que é o maior mal desse lugar; é gente usando, traficando, coisa pesada. Em 2007 eles enjaularam um sujeito que tinha um esquema monstro de lavagem de dinheiro e tráfico internacional. Vancouver servia de lavanderia pra coisa que vinha da Austrália e da China. Daí você tira suas conclusões sobre mercado imobiliário, por exemplo.
OC – É... Essa lavanderia acaba inflacionando esse tipo de coisa.
GM – Nem me fale. É claro que esse não é o principal fator, mas que ajuda, ajuda!
OC – E uma diferença agora nem tanto relacionada à violência?
GM – O Canadá tem uma camada de classe média real muito grande. Existem os ricões? Sempre! Existe pobreza? Também. Mas o que não existe é a miséria. Essa sim é a que corrói nosso Brasilzão. O “pobre” canadense é o gajo que tem um carrinho velho, mora afastado e não viaja nas férias todos os anos. Você deve ter notado a quantidade de sem-teto que temos em Vancouver, né?
OC – Vi sim, nossa. ‘Tá muito escancarado e a gente não imagina encontrar coisa desse tipo em país dito de primeiro mundo.
GM – É cara... Esses aí são as exceções das exceções! A maioria ‘tá ali por problema mental, problema com droga ou por problema mental causado por droga. Boa parte deles vive do “welfare” [mesada do sistema previdenciário]. Seriam classificados como miseráveis? Talvez sim, mas miserável no Brasil tem bem menos chances que esses daqui. E em termos de números não dá pra comparar. E já que você mencionou “esse tipo de coisa em país de primeiro mundo”, o problema é ainda mais cabeludo nos Estados Unidos. Vi um filme um dia desses chamado “O Solista” (depois você coloca o endereço do IMDb, por favor) que ilustra bem esse problema. Só em Los Angeles existem 90.000 pessoas morando nas ruas.
OC – UAU! E a gente achando que isso é “privilégio” de países pobres...
GM – Esse tipo de coisa eles não noticiam, mas ‘tá lá a ferida aberta pra quem quiser ver.
OC – Acho que um dos maiores “medos” do pessoal em geral, especialmente os brasileiros com que conversei é o medo do frio. O que você me diz?
GM – Eita... Esse é mesmo. Absolutamente TODO MUNDO pergunta a respeito dessa. Só que dessa vez eu vou te sacanear e pedir mais uma vez que você inclua o endereço da postagem que fala disso pra eu não ficar chovendo no molhado.
OC – ‘Tá bom então. [Risos.] ‘Tá aqui, ó. Passando pra outra das básicas: vocês sofrem algum tipo de preconceito?
GM – E você chama isso de básico? [Risos.] Não digo preconceito naquela acepção mais terrível da palavra, mas eu diria que existe um “tratamento diferenciado” de certas pessoas.
OC – Mas isso não é preconceito?
GM – Pelo menos pra nós é uma coisa mais leve, nada de escalas abruptas de isolamento ou até mesmo gente evitando a gente. Isso que te falo é mais de observação em algumas atitudes, olhares, jeitos de se dirigir às pessoas... Eu só acho uma sacanagem é que existem poucos canadenses natos que sejam de 3, 4, 5 gerações genuinamente “nativos”. O país é muito, mas muito jovem mesmo. O Brasil devia ser assim na primeira metade do século 20, quando aportaram muitas levas de imigrantes. Imagina só o brasileiro daquela época lidando com pessoas diferentes, que provavelmente nem sabiam que se falava português no seu destino. Estamos falando de um caso bem diferente, é verdade, mas ainda tem muitos que chegam e inglês que é bom, nada.
OC – Mas você também não acha que isso é um pouco de culpa do próprio imigrante?
GM – Não tenho dúvidas disso! Não digo “culpa”, mas sim falta de interesse. Imagina você chegando em um lugar novo, coisas novas, língua nova, costumes novos, enfim, uma novidade completa; é um tremendo desperdício você não fazer parte disso! Abandonar suas tradições? Nada disso, mas sim absorver e procurar fazer parte. Pega um caso: imagina só um albanês imigrando pra Finlândia... Se o cara não se envolver pra pelo menos aprender o idioma, você acha que o nível de frustração dele depois de um tempo vai ser de que tamanho?
OC – É óbvio que você pegou um caso extremo, mas eu concordo contigo.
GM – Não diria extremo, mas possível. [Risos.] Aprender a língua sim é de extrema importância.
OC – Mas tem aquele caso também que o país já tem uma comunidade bem instalada da nacionalidade do seu “albanês”...
GM – É aí que eu verifico o total desperdício da experiência. O albanês chega na comunidade dele e ali fica; não quer saber do finlandês, não quer falar a língua... Aí acho que entra um pouco daquela veia preconceituosa com uma pitada de desconfiança dos finlandeses. “Porque é que o cara que vem pra minha casa não quer nem fazer de conta que esse país é diferente?” A minha opinião é que isso gera tensões desnecessárias e guetos. Claro que é legal ir no bairro italiano, no festival grego, na semana hindu. O que não deve acontecer é o isolamento desse pessoal do “resto” da comunidade. Como disse uma amiga blogueira uma vez, tem imigrante que adota o Canadá como uma versão do seu próprio país melhorada. Não dá. É outra coisa.
OC – Falando em imigrante, vocês têm consciência que os filhos vão perder a brasilidade que vocês trouxeram?
GM – O pior é que sim. Ou o melhor, sei lá. [Risos.] Tenho certeza que vamos nos empenhar ao máximo pra pelo menos preservar o português em casa; na escola já é certo que inglês, francês e/ou mandarim vai ser o cotidiano deles. Pelo menos em casa a língua oficial vai ser a do Brasil.
OC – Mas eu digo “brasilidade” como esse conjuntão de coisas que temos na nossa veia verde-amarela: comida, futebol, música...
GM – Acho que é nosso dever cívico apresentar tudo isso pros bacuris. [Risos.] Agora, se eles vão gostar, seguir ou passar pra frente só vai depender deles mesmo. Tem aquela “regrinha” mais ou menos delineada pra três gerações: os primeiros chegam do país, com toda essa carga do país natal muito entranhada; os filhos vão pelo menos falar a língua e os netos vão só ficar sabendo que os avós eram imigrantes e falavam esquisito. [Risos.]
OC – Você mencionou o francês, mas pelo visto desse lado aqui francês é só pra enfeite, né?
GM – O Canadá ‘tá beeeeeeeeeeeeem longe de ser bilíngue. Esse papo só se aplica à província de New Brunswick. Ouvi falar que lá é 50/50. De resto, francês é no Quebec e fora de lá só nos letreiros das repartições públicas federais. Muito mais gente falando cantonês e mandarim que qualquer outra língua.
OC – Vocês pretendem adotar o “trilinguismo” em casa?
GM – Já estamos investindo nisso. Somos tarados pelo assunto idiomas; começamos nas aulas de francês por puro prazer mesmo. Se isso for revertido pra alguma aplicação prática, ótimo. Se não, estamos criando várias novas ligações nos miolos com mais um idioma. [Risos.]
OC – O meu “em casa” era mais direcionado pros bacuris... [Risos.]
GM – Ahhhh ‘tá... Desculpe. [Risos.] Temos essa ideia de colocar a molecada nas escolas bilíngues sim. Imagina só, três idiomas assim de mão beijada? Já pesquisamos a respeito e ficamos sabendo que pelo visto pelo menos um dos pais tem que falar o troço fluentemente.
OC – Mais um motivo então pra agarrar essas aulas pelo chifre!
GM – Isso, isso... Acho que no nosso caso essa vai ser a “aplicação prática” a que me referi. O bom de criança é isso: eles vão lá e falam, misturando tudo, do jeito deles. A gente é que cria um monte de barreiras e fica cheio de vergonha pra soltar o verbo. Quando eles crescerem, ou vão arrancar os cabelos por isso ou vão até correr atrás de uma quarta língua.
OC – Tem que apostar mesmo. Excelente oportunidade! Podem até virar funcionários públicos federais canadenses.
GM – Com todas as benesses possíveis, se Deus quiser.
OC – Vocês fizeram amigos?
GM – Olha cara, acho que fizemos sim alguns bons amigos. Pessoas que estão na mesma situação de imigrante recém-chegado principalmente.
OC – Brasileiros inclusive?
GM – Sim. Temos bons amigos brasileiros. Nada como compartilhar as maravilhas disso aqui na nossa língua. Parece que não, mas faz falta. Tem dia que o inglês insiste em travar, uma beleza!
OC – Algumas dificuldades que você lembre?
GM – Mais uma vez fomos muito felizes nesse quesito. Estávamos preparados, só faltava jogar na fogueira mesmo. Que eu me lembre, a minha principal dificuldade era o telefone... Putz!!! Tem os termos, as formalidades, os sotaques... Um ou outro filme eu ainda perdia umas frases, mas nada que comprometesse o entendimento do todo.
OC – Quais os sotaques que você apanha ou apanhava?
GM – Australiano, do pessoal do sul dos Estados Unidos, um escocês daqueles bem carregados... Esses eu ainda apanho de montão.
OC – Então no geral vocês se sentem bem confortáveis?
GM – Claro que tem vezes que dá um branco e tem que dar uma volta pra achar um termo, uma frase específica... O que pega agora são os detalhes. Coisas como reações do corpo, pequenos sintomas. Por exemplo, como é que você chega pro médico e diz que “’tá dando uma pontada” ou “’tô sentindo uma fisgadinha”? [Risos.] Certa feita eu fui no supermercado pra procurar batata palha... “É assim, é assado... Pequena, fininha...” [Risos.] Tem hora que a mímica resolve a coisa facilmente. Acho que é até por isso que tinha uma certa dificuldade ao telefone. Já a Sílvia sempre deu baile no inglês. Ela é bem mais desenvolta.
OC – Depois desses dois anos houve uma melhora perceptível?
GM – Nossa!!! Isso foi muito fácil de comprovar. Só de destravar a língua e o ouvido já é um passo gigantesco. Sinto que meu inglês não tem evoluído muito, mas acho que é o pouco contato com pessoas que o tenham como primeiro idioma. Quando você conversa a maioria do tempo só com imigrantes, não aparece tanto desafio, tanta palavra nova. Bom, pelo menos pra mim não. E nem é metideza, é só uma comprovação mesmo. [Risos.]
OC – Resumindo a conversa então, dois anos e qualquer coisa que estão valendo muito a pena?
GM – 100% positivo! Está valendo muito a pena sim. É uma vida muito tranquila. Eu diria com quase zero preocupações com aquelas coisas que infelizmente temos no Brasil. Coisas pequenas como poder andar de carro com os vidros abertos, chegar em casa sem ficar naquela paranóia, saber que o hospital que você usa é exatamente o mesmo que o cara mais pobre e o mais rico usam. Isso é bom demais pra ser verdade. Isso é o verdadeiro socialismo! [Risos.]
OC – Xiii... Lá vem política! [Risos.]
GM – Não, não... Só zoeira mesmo. Eu soltei essa pra um eslovaco uma vez e ele já mandou um “não, não, não... Você não faz ideia do que é socialismo”. [Risos.] Como conceito é bonito de ver, mas a aplicação dele não foi das mais felizes.
OC – Antes então que a conversa tome outros rumos, gostaria de agradecer pelo seu tempo e por ter recebido nossa equipe com toda disposição.
GM – Não foi nada. Eu é que agradeço pela oportunidade. Espero que o blog volte a funcionar como se deve. Vocês demoram tempo demais pra atualizar aquele troço...
OC – Prometo melhorar! Sempre tem uma promessa...
GM – Verdade. Que coisa feia! [Risos.]
OC – Fechando, você aconselharia as pessoas a virem pro Canadá? O que você diria àqueles que estão balançando se entram com o processo de imigração ou não?
GM – Minha resposta é SIM! Venham. Mas venham com vontade de se integrarem, de abrirem a mente pra outros mundos, situações, pessoas, culturas... Dificuldades todo mundo tem em maior ou menor grau. O que pra mim foi complicado, pra outros pode ser fichinha e vice-versa. Você vai ser testado o tempo todo, se deparar com outros pontos de vista que você nem imaginaria que existiam. Como já disse antes, é nascer de novo. Você vai chegar no supermercado e não vai saber quanto em gramas pesa uma onça ou como se diz quiabo em inglês! [Risos.] Seu cérebro vai agradecer pela injeção de grandes novidades. Não diria que exatamente agora é um momento perfeito pra uma mudança por causa dessa economia, mas podem ter certeza que assim que quando começar a curva ascendente vai é faltar gente qualificada pra fazer a roda girar normalmente outra vez. Então, assim que passarem aqueles primeiros meses, talvez até anos, de complicações e adaptação, aí é só se lambuzar. É claro que tem o preço de se largar os familiares e amigos no Verdelindo. Mas sempre tem a internet, a webcam e o telefone pra matar a saudade.
Em tempo, “quiabo” em inglês é “okra”. :-)
Abraços!
5 comentários:
Nossa... o post foi grande mas valeu a pena!! Valeu pelas dicas e se puder dar uma passada no nosso blog, dá um pitaco no post mais recente que é sobre adaptação no Canadá.
Abraço
Oi Glaydson, Bem vindo de volta as terras do norte, voltou inspirado hein? ontem a Lana falou em você.Eu confesso não li o post 100% li uns 80%, mas curti a entrevista, muito bem bolada. e parabéns pelo seus 2 anos de renascimento.
Parabéns pelo post/entrevista. Ambos mandaram bem mesmo! Concordo plenamente com essa história de guetos. Se já não bastasse ter as mesmas comidas em casa e nos restaurantes, as mesmas marcas e modelos de carros, assim como muitas outras coisas oriundas de seu país, a pessoa ainda por cima se fechar em determinado bairro, não aprender nem a dizer 'ai' em inglês, é um desperdício total da experiência de imigrar!
Btw, 'ai' em inglês é 'ouch'.
hehehe
Amei a entrevista. Meu amigo tá famosão!!! Abraços. Rav
Meu!
Fiquei impressionada com a desenvoltura do Reporter e do entrevistado rsrsrs. Falou muito bem.
Bjcas, Eliane
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